segunda-feira, 5 de julho de 2010

Doce âmago

É mãe, é hora de preparar os leitores. Você sabe tudo, mas, e eles? Você sabe, esteve com ela antes mesmo de ela nascer. Viu seus primeiros passos e seu primeiro sorriso. Uma pergunta, mãe: ela ainda tem o mesmo sorriso? Depois de tantos anos passados, depois de tantas coisas feitas, de tantos erros cometidos, você ainda consegue ver o mesmo sorriso? Algumas pessoas sequer viram o primeiro sorriso. Como será que comparam o sorriso de antes e o de agora? Ela não sabe, ela não percebe. Você consegue perceber, mãe. Talvez possa tranquilizá-la, como quando ela tinha cólica e não tinha como dizer se não fosse com lágrimas e soluços que só você entendia. Sinto lhe dizer, mãe, mas, ela não é mais a mesma. E a cada dia que passa ela muda. Mas ela me disse que você sempre será o melhor consolo.
Ela me disse que se arrepende de tanta coisa, mãe. Mas sabe que não adianta lamentar por não ter feito diferente, pois já está feito. Ela se arrepende de tê-la feito chorar, se arrepende de ter feito outras pessoas chorarem. Mas o que ela procura fazer hoje é tentar fazê-las sorrir, inclusive você.
Quando ela está sozinha tenta não pensar na vida, mas sempre soube que é uma coisa impossível. Vê tanta coisa que passou e tem medo do que possa vir. Ela não consegue prever a próxima hora, mas sabe as possibilidades de ser uma hora feliz ou triste dependendo dos seus próximos minutos. E esta semana, ela disse que não está muito bem, mas sabe que daqui a algumas horas ela estará.
Ela, por um acaso, me contou um pouco da sua vida em uma dessas noites. Contou-me sobre suas roupas masculinas e suas mudanças radicais dos seus anos de pré-adolescente, suas molecagens e rebeldias, suas bebedeiras e besteiras. Nós rimos muito até que ela começou a chorar. Eu fiquei sem saber o que fazer, nós estávamos tão alegres rindo de tudo e de repente nos vimos afogando cada riso em cada lágrima. Eu perguntei o que havia acontecido, ela se virou para a janela e procurando a lua com os olhos me perguntou se eu a amava. Fiquei tão triste por não saber responder aquela pergunta. Eu deixei que ela se perdesse em seu desespero naquela noite. Sai sem me despedir. Não me julgue, mãe. Talvez ela quisesse ouvir a mesma resposta que você daria, mas não seria a mesma que a minha. Não me culpe, mãe. Ela não fez por merecer nos últimos anos, mas não a odeio por isso. Eu apenas penso que ela tem que me valorizar mais.
Ela pensa que a vida é cruel e linda ao mesmo tempo. Tem sempre oscilações. Quando a lua aparece ela sorri e quando o sol nasce ela chora. Ela está um pouco ausente, mãe, mas você sabe o que vem acontecendo. E está tão feliz porque percebeu que nos últimos tempos algo a fez mudar, e ela parece sorrir com mais frequência. Mãe, há algo diferente no coração dela. Eu consigo ver isso, eu consigo sentir intensamente. Há alguns meses, ela me pediu um conselho e eu apenas disse “You must follow your heart!”, e ela o fez. Desde então, ela tem sempre os mesmos pensamentos, os mesmos desejos, os mesmos planos, mas incluiu alguém. E posso dizer com certeza que é uma boa pessoa, tem feito tão bem pra ela quanto eu fiz. Eu desisti dela, mas está em boas mãos. Eu estarei sempre por perto, e espero que essa pessoa faça com que ela me dê mais valor. Eu estarei esperando e confiando, tanto quanto ela, na pessoa que agora faz mais parte dela do que eu.
E pra deixá-la mais feliz, mãe, às vezes, ela me dizia algo que a fazia ter um sentimento bom. Mas nesses últimos dias, ela me disse e repetiu tantas vezes, de uma forma diferente, parece mais intenso a cada dia, e dentro de si, apenas para que eu ouça ela repete continuamente sem perceber :“My wondering soul found solace at last. I wanted to know how long it would last. She’s losing control, she’s coming down fast. The heart that I stole I’m not giving back. Never giving back.”
Talvez não saiba o que significa pra ela, mãe. Mas eu sei!