sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Trens e Chuvas de Outono

Liz tinha o mesmo sonho desde que se lembrava: passava horas a fio, sentada em uma estação, observando uma árvore, ora florida e viva, ora seca e morta. Nunca teve vontade de sair daquele banco para tocar a árvore que tanto admirava. Gostava de ver sua dança conforme o vento e os animais que faziam ali seu abrigo.
Olhos negros e a pele coberta por sardas. Liz chamava olhares de todos os lados, sempre vagos porém, e que eram afastados com muita rapidez. Embora tivesse vontade de conversar, ela não se atrevia a sair dali. Todas as vezes em que pensava nisso, logo menosprezava a hipótese, dizia para si mesma que não era algo tão interessante a se fazer.
Em uma de suas tardes encantadoras junto à árvore, Liz foi surpreendida. Alguém sentou ao seu lado para partilhar da metamorfose da árvore. Envergonhada, Liz não se atreveu a olhar e permaneceu quieta. A pessoa parecia se aproximar, então Liz olhou e sorriu. A pessoa a olhou, e como todas as outras, desviou o olhar rapidamente.
Manhãs, tardes e noites se passaram e Liz sempre estava no mesmo lugar, mas agora tinha uma companhia. Paul, como vira escrito em um pequeno cartão pendurado em seu pescoço, era sua companhia e sempre aparecia uma hora do dia para apenas se sentar e observar a árvore junto de Liz. Nunca trocaram uma palavra, mas olhares e olhares eram trocados, e toda vez que Liz decidia dizer algo, Paul se acomodava no último trem, e ela deixava que suas palavras seguissem o acompanhando no último vagão.
Todos os dias, Liz esperava ansiosa para que Paul chegasse e pudessem conversar em silêncio, trocar idéias e sentimentos através de olhares. Mas houve um dia em que Liz observou por horas as folhas caírem e irem embora com o vento. Liz sabia até dizer quantas jaziam no chão. Foi então que percebeu que o Outono viera para apagar as cores das estações anteriores, e que não trouxera Paul junto dele.
Não sabe dizer por quantas estações esperou por Paul, mas sabe que todas elas pareciam com o Outono: deixavam sua vida seca e sem cor. Aquele lugar já não possuía mais a magia tão admirada por Liz, a árvore já não era tão fascinante. Viu flores nascerem e morrerem com a mesma tristeza, com as mesmas lágrimas cansadas que hora se perdiam em gotas de chuva.
Quando avistou Paul se aproximando, novos botões surgiram na macieira seca. Ele se sentou e, como sempre, não disse nenhuma palavra. Ela estava ansiosa, queria perguntar o por quê do sumiço, dizer que fez falta, e que olhar a árvore não era agradável sem ele. E por mais que tentasse dizer algo, nada saía, não conseguia dizer tudo o que sentia. Mas não teve muito tempo para se esforçar. Paul demorara tanto, que o último trem já chegava e ela sabia que ele iria embarcar. Como todas as outras vezes, Paul se levantou, e sem falas, sem despedidas, caminhou e ela viu em seu olhar que ele nunca mais voltaria. Com um aperto no coração, Liz deixou que um movimento de desespero a tomasse e caminhou em direção a Paul. Antes que pudesse alcançá-lo, Paul se deitou na linha de ferro e esperou pelo último trem. Um grito sem som e tudo foi tingido do mais doloroso vermelho. Liz caminhou até o banco e se sentou. Voltou a olhar para a árvore enquanto algumas lágrimas rolavam pelo seu rosto, seguidas pela chuva que caiu para fazer esquecer o que restara de lembranças. Pessoas corriam e gritavam, enquanto ela permanecia imóvel. Por mais que tentasse fingir, ela sabia que a árvore não traria mais cor à estação.
Manhãs, tardes e noites se passaram e Liz permanecia observando a árvore. Estranho, pois jamais voltou a ver um botão, sequer, brotar. E em uma dessas tardes, Liz foi surpreendida. Alguém se sentou ao seu lado para partilhar da estabilidade da árvore. Envergonhada, Liz não se atreveu a olhar e permaneceu quieta. A pessoa parecia se aproximar, então Liz olhou e sorriu. A pessoa tentou conter as lágrimas que caiam sem parar, e, entre soluços, sussurrou:
- Oi, meu nome é Paul.